Estão juntas num mesmo quadro, alinhados,
mas ainda equidistantes no sentido de que ela,
sozinha, de seu lado da porta,
espia o mundo e tenta entender o teatro da vida.
Ele, ainda, é vários ao mesmo tempo.
Metódico, contabiliza suas falas de multidão,
mas se expressa mesmo pelo silêncio.
É o silêncio que hoje fala.
O silêncio é o seu Eu profundo que fala calado.
Ela canta só pra ele e não mede palavras
e nem tempo para seu amor entregar.
Ele, fala por liras sendo que
cada cor representa uma margarida.
Ela, continua falando muito e, ainda,
não conseguiu expressar o todo de sua alma,
seu coração, seu corpo.
Ela ainda guarda um ramo verde
em meio ao seu véu branco-dourado.
Ele, continua carregando vários sóis dentro dele.
Um para guardar na memória de um tempo longínquo.
Outro que lhe deu alimento quando voava
perdido à procura de si mesmo.
E um terceiro que é seu espelho
e do qual, sinto, ele ainda tem medo.
Talvez porque seja tão igual a ele,
embora vista outras cores.
Não tem o glaumor de suas pétalas de ouro.
Espia, tímida, pela fresta da porta,
entando entregar-se inteira,
ramo, folha, flor, pétula e corola...
Ele, ainda olha as borboletas no ar
e não larga da multidão
que o encanta e faz vibrar.
Ela, se inclina em sua direção,
tentando fazer com que seu perfume,
seu cheiro, cheguem até ele.
Assim, de perto, a gente percebe que,
em primeiro plano, ainda há uma porta entre eles.
Com ferros grudados, separando-os.
Ela, esmaecida, não sabe não sabe mais o que fazer,
o que dizer para que seu girassol se saiba
e se sinta amado e adorado incondicionalmente.
Só quer entregar seu amor.
Amor que ele, incessantemente,
sozinho ou com sua multidão de parceiras
busca pelas galáxias e constelações.
Ele ainda se esconde dela na escuridão.
Não percebe ou não quer ver o céu azul
que o rodeia e estende mãos de acalanto em sua direção.
Talvez ele precise mais tempo para compreender
que não é ele que decide se ela vai amá-lo ou não,
se ela quer ficar ou não. É ela.
E ela já fez sua escolha por si mesma.
Agora ele tem de perder o medo e decidir por si,
porque isso, ela não pode fazer.
Só ele pode fazer suas escolhas.
Quando isso acontecer, a porta que os liga
e é a ponte que vai levar um ao outro está ali.
É só aceitar a si mesmo que a compreensão
de que o que tanto se procurou já se encontrou chega.
Estão na mesma linha de um céu que os conecta.
Mas é preciso sair de si mesmo
e entrar definitivamente no outro.
Ele já está em mim e eu nele.
Mas ele ainda está agarrado a multidão.
Talvez hoje a liberdade se complete.
E os dois, libertos de si mesmos
e do mundo ao redor,
possam se amar
pela primeira vez sem ferros,
sem amarras, enlaçados
numa mesma aurora boreal.